"And now for something completely different..."

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Uma Review de Bloodborne

Minha opinião (que ninguém pediu) sobre Bloodborne. Eu estava ranteando no tuíter, mas quando vi já tinha um texto imenso, então achei que poderia aproveitar que ainda tenho esse blog e postá-lo aqui. E a prática de escrever algo maior e mais elaborado também é algo que me agrada e não faço faz tempo, então preciso aproveitar este momento de inspiração. 


(Aviso: Pode conter spoilers leves da reviravolta na trama, e algumas imagens do jogo.)

Pois bem. Por muito tempo ignorei este título por não ser um RPG medieval e por sua fama de ser mais difícil e não ter escudos, quando comparado à Dark Souls. Eu sou (e admito isso) muito chato com jogos, jogo pouquíssimas coisas, e não dou chance pra uma cacetada de opções. Mas quando encontro um jogo que eu gosto, eu jogo bastante (ainda jogando Skyrim desde 2011). E só por ter gostado de Dark Souls 1 e 3, não significa que eu vá gostar de tudo que o mesmo estúdio faça, certo? Vai saber quantas variações do mesmo estilo de Dark Souls eles vão lançar pela vida. Não quero me comprometer em jogar todas. Não me considero um fanático do estúdio, ou do gênero, e nem que eu goste de jogos difíceis. Apenas apreciei a tomada diferente e original que tiveram com o gênero, e as decisões de design, jogabilidade e etc. Se eu quiser jogar algo parecido com Dark Souls, eu vou apenas REJOGAR Dark Souls, não preciso de mais do mesmo. Essa é a minha lógica.

Na minha cabeça, Bloodborne era apenas um lançamento de mais um jogo no estilo Dark Souls, dessa vez com temática de caçar monstros nas ruas de Londres, tipo um Van Helsing. Ou seja, não seria um RPG medieval aberto à todos os estilos (por exemplo onde você pudesse escolher ser um cavaleiro de escudo, ou um mago, ou um arqueiro, etc.), além de ter ARMAS DE FOGO. Somente pareceu-me esquisito.

I dare you, I double dare you motherfucker! Say "what" one more goddamn time.

Foi quando descobri aleatoriamente que a trama do jogo tem uma reviravolta: Em certo momento do jogo, você não está mais só caçando monstros. Há todo um cenário de horror cósmico baseado em H. P. Lovecraft (autor de O Chamado de Cthulhu, entre outros) envolvendo seres cósmicos horrendos e de caráter apocalíptico, e a loucura crescente nas pessoas que sequer interagem com os rastros deles. Para quem não sabe, eu literalmente já li e possuo todos os livros e contos do Lovecraft, e foi quando soube desta conexão que me convenci à testar o jogo.

O resultado é que eu fiquei bem contente em ter me dado a chance para experimentar Bloodborne (2015): É um verdadeiro horror Lovecraftiano escondido numa temática vitoriana gótica londrina, com um visual que num geral eu gostei bastante. Se você joga Magic, vai identificar a semelhança visual, de temática, cenário e roupas, com o set de Innistrad (2011). E certamente é difícil de acreditar que a reviravolta mais tarde em Sombras de Innistrad (2016) não tenha se baseado diretamente neste jogo, embora teoricamente estivesse em produção, ou pelo menos conceituada, bem antes do lançamento.

Um caçador nunca está sozinho, por isso leve algumas fichas de humano 1/1 com você.

Num geral a experiência foi muito satisfatória, muito interessante e realmente imerssiva. Você se sente num jogo de terror, com medo de progredir, mesmo tecnicamente sendo um action RPG. (Um sentimento que me remeteu para a quest/fase Ocean House Hotel em Vampire the Masquerade: Bloodlines (2004), que na época até ganhou prêmio de melhor level design.)

PORÉM eu tenho sim algumas reclamações bem sólidas que me fazem entender perfeitamente o motivo de tanta gente desistir do jogo antes mesmo dele começar direito (o troféu do PRIMEIRO boss, por exemplo, já tem um índice de menos de 50%, e a porcentagem de conquista vai diminuindo drasticamente com os bosses subsequentes). Coloco isso como culpa do jogo, e não dos jogadores, e por isso acabo mais fazendo ressalvas e discordando quando escuto alguém dizer que o jogo é perfeito, do que concordando.

Chegamos na motivo de eu ter começado este post: Vou agora divagar sobre essas ressalvas/reclamações.

1. A dificuldade acima do normal para o early game quando você não conhece o jogo. Mesmo para um jogo da From Software, é ainda mais difícil e menos explicatório / noob friendly do que Dark Souls, o que é dizer muito. O começo é de longe a parte mais difícil para quem não sabe o que está fazendo, não havendo bem uma escada de aprendizado... Está mais para um MURO de aprendizado.

2. Perante tal dificuldade, você nem ao menos pode UPAR DE LEVEL para tentar melhorar sua situação, e não sabe nem ao menos o porquê. E olha que digo isso mesmo achando realmente legal a lore/temática/desculpa para você não ter acesso ao level up no começo do jogo. (Não vou dar um spoiler direto, mas tem tudo a ver com seu personagem ficar gradualmente louco.)

Você nunca está velho demais para brincar de boneca, certo, Gehrman?

3. Outra coisa muito ruim em comparação aos Dark Souls, é o item de cura ser um item consumível. Anteriormente nestes jogos, sim, você morria muito, mas seu estoque de item de cura resetava junto com os inimigos. Desta vez, você pode ficar sem. Se você ficar preso numa área/boss e morrer, digamos, umas 4 vezes, provavelmente suas curas acabaram e terá que farmar o item matando inimigos em outras áreas, e comprando o item com o vendedor, se quiser continuar tentando progredir.

Isso me broxou MUITO em alguns bosses que eu adoraria ter tentado e tentado várias vezes seguidas passar sozinho, até mesmo ao longo de dias como foi com o Pontífice Sullyvahn ou o Nameless King em Dark Souls 3. Mas como eu tinha que parar e ir farmar a cada 2 tentativas, preferi fazer co-op e acabar com o aquilo logo. Farmar REALMENTE corta o barato do momento e te tira do mood da luta contra o boss.

4. Além disso, vamos mencionar a história. Ela consegue ser ainda mais críptica, ilusória, e de difícil acesso que todos os outros jogos do mesmo estúdio, e isso sim é DIZER MUITO. Anteriormente, você tinha que ter um bocado de atenção e interpretação, e se dedicar ativamente à ler descrições de itens e lembrar-se de diálogos e interações, ou até mesmo o posicionamento de certas coisas no cenário, para fazer as relações necessárias para compreender a história, ou o que está acontecendo ao seu redor. Mas aqui, temos muito menos itens com descrições reveladoras, elas são ainda mais vagas que de costume. Não espere entender o que você está fazendo até ter terminado o jogo, e mesmo assim ainda precisará assistir um vídeo de 30 minutos de conjecturas e opiniões, caso esteja interessado em compreender tudo que quiseram colocar no jogo. 


Seria esta a esposa perdida de Cthulhu? O Chamado de Cthulhu seria uma ligação perdida dela?

Uns podem falar que não compreender o que está acontecendo é algo natural nesta temática, uma vez que os humanos estão fadados à jamais entender os segredos dessas criaturas cósmicas vindas do infinito aterrador... Mas também podemos dizer que existe um limite aceitável, e chega num ponto em que não apresentar a história de uma forma melhor e mais clara apenas significa que não tem uma história de fato, e sim algo que possa ser chamado apenas de uma ambientação/plano de fundo ricos em detalhes e cheios de segredos vagos para você interpretar.

5. E por último, o mais surpreendente. Ao contrário daquela dificuldade mencionada presente no começo do jogo, durante a maior parte do midgame, as fases, ou os inimigos, ficam fáceis até demais.

Diferente dos inimigos ágeis e numerosos que geravam combates cheios de ação que te apresentam ao estilo do jogo logo na primeira área, mais tarde temos muitas áreas grandes e com inimigos lentos e espaçados, e isso gera muitos momentos repetitivos de avanço lento e metódico, com jogadas seguras onde você não é obrigado a tomar riscos.


Mob básico de 10+ tiozinhos nos primeiros 15 minutos do jogo.

Começa-se a notar isso na segunda parte da Floresta Proibida, com as cobras que você encontra por lá, mas os maiores exemplos disso são Byrgenwerth e o Castelo Cainhurst. Essas são áreas altamente antecipadas ao jogador, e que quando você finalmente chega lá e as conhece, são praticamente desertos de inimigos solitários e lentos, em grandes espaços abertos e vazios. 

Mais uma vez alguns podem dizer que isto é intencional, afinal ambas são áreas abandonadas também na lore, que passaram por alguma coisa que matou a maioria de seus habitantes... Mas também podemos dizer que Byrgenwerth chega a parecer uma zona inacabada e apressada, coisa que comprovadamente existe no jogo, pois por exemplo temos uma porta no Distrito da Catedral com a qual você CONSEGUE interagir, e diz estar fechada, que faria conexão com a ponte onde você enfrenta a Cleric Beast. Essa passagem/conexão foi cancelada mais tarde, mas não removeram a porta, e nem a interação com ela, gerando em mim uma decepção muito grande quando soube que nunca poderia abrir ela. Quando algo não está ali para ser aberto, ou você não pode interagir com aquilo at all, ou está visivelmente bloqueada por detritos. Toda porta que te dá a mensagem "Fechado" deve ser aberta em algum momento.


1/5 da população total de Byrgenwerth é esse bicho.

Tendo dito isto tudo, ainda assim, estou muito contente em ter jogado Bloodborne. Ou melhor, em estar jogando, afinal ainda não fechei. (No momento em que escrevo, falta ainda terminar a DLC, além de fazer mais Chalice Dungeons antes do boss final. E sim, a dificuldade retorna nesta parte.) E provavelmente continuarei jogando após fechar com outros personagens. 

Apenas gostaria que fosse ainda melhor e não tivesse esse aspecto broxante do farm, que atrapalha uma experiência que PODERIA ser perfeita, mas não é.

É difícil um jogo de RPG (ou action RPG) ser perfeito. Poderia citar Elders Scrolls VI: Skyrim (2011) ou o previamente mencionado VTMB, porém estes só estão realmente completos com mods corrigindo seus bugs e adicionando conteúdos inacabados. Undertale (2015) e Deltarune (2018) são exemplos de perfeição, também pela premissa inovativa dentro do gênero, e de igual ou maior dificuldade que os títulos da From Software em certos momentos, mesmo considerando as limitações gráficas.

Tenchu 2: Birth of the Stealth Assassins (2000) também foi um RPG perfeito, completo sem DLCs e mods, como era feito em sua época. E quem diria? A From Software teve relações com a publicação de alguns títulos da franquia Tenchu no Japão, o que provavelmente os levou à posteriormente lançar seu próprio action RPG de ninjas; o tal do Sequilho: Shadow Die Twice (2019). Jogo que eu ainda não joguei, pois como falei antes, se eu quiser um jogo tipo Tenchu, eu jogo Tenchu!

Meu ninja de cabelo branco, máscara e cicatriz no olho favorito: Rikimaru.

Portal (2007) e Portal 2 (2011) são perfeitos, mas não são RPGs, eu só quis mencionar mesmo.

Mas sabe o que mais foi perfeito? Dark Souls (2009). Mas está tudo aqui: O level design, o sound design, a jogabilidade fluída cheia de ações e consequências, o clima pesado e desesperador... As mensagem de "try finger, but hole". Claramente tentaram algo diferente aqui em Bloodborne, e posso dizer que acertaram em cheio na temática, ambientação, gráficos, música... Apesar dos pesares, no final, minha avaliação é um sólido 8/10.

Não é o 10/10 que os fãs tanto exaltam, mas hoje em dia as pessoas gostam de ser passionais sobre tudo. O fato é que, se está de 8 para cima, já vale à pena jogar e rejogar!

E lembrem-se: "Um caçador nunca está sozinho, então vamos limpar essas ruas pútridas."