Estou apenas repetindo a minha rotina. Acordei às seis da manhã, tomei meu café – as torradas ficaram torradas demais -, vesti as minhas roupas sociais de sempre e, como sempre, estava no ponto de ônibus cinco minutos adiantado. É sempre bom ser precavido, mas dessa vez o ônibus passou cinco minutos atrasado, e isso fez com que a minha conversa com meu vizinho durante a espera saísse da rotina – normalmente ele chega no exato momento em que o assunto está prestes a acabar – e acabei passando por uns bons cinco minutos de silêncio desconfortável.
Uma vez dentro do ônibus, sentei no meu lugar de sempre – meu ponto é o primeiro em seu caminho – e coloquei meus fones de ouvido. Meia hora depois ainda estava na metade do caminho, mas o ônibus já estava mais lotado do que provavelmente a lei permitiria. As vozes dos passageiros, o som da catraca girando indicando mais pessoas subindo para se espremerem, o barulho do motor do ônibus e o passar dos outros carros misturavam-se, tornando-se apenas um perturbado ruído de fundo que se tornava mais perceptível durante as pausas da música no meu celular. Subindo uma ladeira de casas antigas de muros baixos, o ônibus faz essa curva e é sempre pego por este semáforo, parando ao lado de um alto muro de um terreno baldio entre as velhas propriedades. E como sempre, lá estava ela.
“Ela” é a imagem no muro, virtualmente eternizada em tinta. Uma garota, de aspecto jovem, admiravelmente desenhada da cabeça até a cintura, aonde encontra o chão da calçada. Ela está nua, com as mãos cruzando-se e cobrindo ambos os seus seios. Caucasiana de longos cabelos castanhos em mechas esvoaçadas, suas cores são suaves e macias, ou assim tornaram-se com as chuvas e o tempo. Mas o que realmente prende minha atenção e me comove é a sua expressão; passa um sentimento maior do que a tristeza, algo que mistura desistência e conformação. Ela é um grafite de protesto, uma expressão de seu artista contra a violência e abuso infantil. Sempre que encaro essa imagem começo a ser tomado por um sentimento misterioso parecido com a nostalgia, e como sempre quando sinto que estou começando a entender o que é, o farol abre e o ônibus volta a se mover, deixando sua melancolia e olhares para trás.
Entretanto começo a pensar que somos parecidos, eu e a garota desenhada. Vivo neste dia-a-dia vazio, para sempre repetido, sem nunca realizar algo que eu sinta ser realmente importante ou significativo, e não tenho a quem pedir socorro. Mas mesmo se pudesse, não sei se mudaria alguma coisa. Estou eternizado nessa imagem, desistente e conformado, e assim para sempre continuarei, até o mundo parar de girar. Ou até o muro cair.
Apenas mais um desses textos escritos na faculdade... Mas eu realmente gostei, e acho que nunca ouvi tantos adjetivos e elogios quanto os que a minha professora de Comunicação e Expressão (aka Redação para designers) fez sobre ele... Até me perguntou o que diabos eu estava fazendo fora de um curso de Letras, hehe. Mas acho que tô no lugar certo sim, digo, uma vez que já estou em SP mesmo... Para quem leu, espero que tenha gostado!
Deixem comentários, e até a próxima~ :D