Chegando ao
parapeito, debruçou-se sobre ele, observando o movimento inexistente nas ruas
enevoadas abaixo. Nenhum carro, nenhuma pessoa. Uma lata de lixo se movia por
dentro, com um gato de rua que procurava por sua comida. O jovem achava aquilo
curiosamente belo – a cidade dormia. Enquanto as pessoas estavam deitadas
tranquilamente em suas camas, lá estava ele, sobre suas cabeças. Por isso, sentia
como se pudesse fazer qualquer coisa.
- Você não pode fazer o que quiser, espero que saiba disso. –
disse uma voz atrás dele, como se tivesse acabado de ler a introdução acima. O
jovem estalou os lábios e nem se deu ao trabalho de virar a cabeça ou
cumprimentar a garota que se aproximava.
A garota também usava
boina e sobretudo, porém de cores mais claras. Sua bota, de cano alto, fazia um
leve ressoar no cimento conforme se aproximava. Mas não se aproximou muito.
- Ainda está nervoso comigo?
- “Ainda está nervoso comigo?” – caçoou o rapaz, em um tom
infantil.
- Isso não é muito maturo da sua parte. – ele realmente não
se importava. – As pessoas nem sempre vão fazer o que você quer. – ele não queria
que as pessoas fizessem nada. – Às vezes acontecem coisas que não gostaríamos. –
e isso era frequente. Mas ele preferiu ficar em silêncio.
- Sabe... – continuou a garota. – Você não deveria guardar
rancor dessa forma. Esta é a última madrugada do ano. A esta hora, amanhã, será
o primeiro dia de um novo ano. Não que isso faça diferença para as estrelas lá
em cima, mas como humanos, podemos e devemos nos apegar a qualquer chance que
temos de reciclar nossas emoções e começar novamente. Um novo ciclo, novas
oportunidades, fazer as coisas do jeito certo...
O rapaz achava aquilo
uma grande hipocrisia, vindo dela. Permaneceu em silêncio, observando ora as
ruas vazias e suas névoas, que se moviam traiçoeiramente como dedos à espreita,
ora o céu e suas nuvens, que se moviam mais pesada e vagarosamente, como deuses
alheios a pessoas insignificantes discutindo seus problemas pessoais em cima de
um edifício.
- A vastidão do céu noturno não guarda mágoas. – observou a
garota, como se tivesse acabado de ler essa metáfora. – E se você parar pra
pensar, todos esses problemas são realmente insignificantes. Acho que o que
importa, afinal, é o bem-estar das pessoas. Coisas pequenas e humanas como um
abraço, um sorriso. É igualmente irrelevante perante a infinidade do universo,
mas pelo menos faz diferença no coração das pessoas. Faria diferença nos nossos
corações.
- Você é uma hipócrita de merda. – finalmente respondeu o
rapaz.
- Sabe, eu estou tentando ser compreensiva, mas você está
começando a me machucar. – disse a garota, levando a mão ao seu peito e se
aproximando mais um passo. – Eu sei que você deve estar sentindo muita raiva,
mas não deveria descontar isso em mim. Eu te amo.
- Você matou meus pais e irmãs. – observou o rapaz. Esse era
um ponto muito importante em seu julgamento e nessa história como um todo, e eu
deveria ter mencionado isso antes.
- Foi um acidente de percurso. Eles não deveriam estar lá, e
você deveria estar lá. – justificou.
- Então você tentou me matar.
- Sabe como é, são ordens.
- Eu sei. – finalmente virou-se, olhando a assassina à sua
frente. Tão jovem, e tão bela. Mas também sabia que ela estava além da razão: Essa
vida que levavam havia danificado-a profundamente, e desde que se conheceram,
ela sempre esteve à beira da loucura. Nenhuma lógica faria sentido para ela,
mas não duvidava que seus sentimentos fossem reais. Os dele também eram. Levou
suas mãos até o bolso.
- O quê você está pensando? – indagou a garota, ao perder-se
em seu olhar.
“O quão facilmente o
amor pode se transformar em ódio”, pensou. Apenas uma fagulha, e tudo que uma
vez sentiu virou-se ao avesso, assim como toda a sua vida. A fagulha que aquela
garota havia jogado sobre o combustível espalhado naquele galpão, carbonizando
seus pais e suas duas irmãs mais novas. Em vez disso, perguntou:
- Por que você está aqui?
- Pra te desejar um feliz ano-novo. – respondeu a garota,
que começava a lacrimejar. – Pra conseguir seu perdão, e assistir os fogos com
você ao meu lado. Eu te amo. Amo, amo, amo.
- Eu te amava. Você tentou me matar, mas ao invés disso
matou a minha família. E agora vem me desejar um “feliz ano-novo”? – respondeu num
surto de insanidade, achando que ela pudesse entender a gritante falta de
lógica em suas ações.
- Sim.
Tirou a mão do bolso,
puxando um revólver, e atirou bem no meio daquele belo par de olhos
lacrimejantes com que ela o encarava.
- Feliz ano-novo, sua vadia louca. – foi tudo o que disse em
seguida. Talvez fosse mesmo ser um bom ano, afinal, agora ela estava morta.
Pensou na forma como as coisas se desenrolaram naquela noite, e não conseguiu
evitar um esboço de sorriso em seu rosto, afinal, ele pretendia ter se
suicidado. Mesmo depois que ela apareceu, ainda pretendia ter feito isso, bem
na frente dela, mas não pôde conter sua raiva quando ela respondeu “sim”. Uma
resposta tão pequena, tão simples... E tão errada. Ela podia ter respondido
qualquer coisa, menos “sim”, e quem estaria morto agora seria ele. “Às vezes
acontecem coisas que não gostaríamos.”
- Sim. – “e às vezes essas coisas são bem melhores, pois nem sempre sabemos o que gostaríamos, e eu acabei gostando bem mais de te matar”, pensou, satisfeito.
Essa foi a minha tentativa de escrever alguma coisa para encerrar o ano aqui no meu blog, espero que tenham gostado! Boas festas e um ótimo 2013 para - quase - todos! o/
~x~