Olha só, quem diria, tive a chance de criar mais um personagem para outra campanha de D&D!
Dessa vez, é uma campanha one-shot, ou two-shots, que visa um grupo de combatentes indo participar de um Grande Torneio envolvendo pessoas de todas as nações. Tínhamos uma descrição breve da importância do torneio e das diferentes regiões e nações, porém muita coisa estava em aberto, por exemplo, tínhamos o nome de cada nação e sua capital, mas podíamos criar cidades, eventos passados e nomes de divindades nas histórias de nossos personagens.
Ao contrário do meu personagem em outra campanha que estou jogando, que é um kobold covarde, dessa vez eu decidi fazer um personagem mais maneiro e EDGY.
Com a permissão da Mestre, (que é minha namorada mas isso não tem nenhuma influência sobre a permissão, claro), pude fazer um Clérigo do Domínio da Morte. Essa é uma classe apresentada como classe vilanesca no Guia do Mestre do D&D 5th Edition, porém é bem comum se você olhar por aí que a classe seja utilizada por jogadores, e o livro até descreve a possibilidade de ser utilizada dessa forma. A maior dificuldade é em termos de roleplay, para encaixar um clérigo com alinhamento Mau na party.
Bem, em uma das streams de campanhas do Koibu que eu assisti, Gnomes, Tomes and Catacombs, Lilypichu interpreta Midori, uma clériga da deusa da vida que, após a morte de dois dos personagens de outros jogadores durante a campanha, converte-se para a deusa da morte. Essa deusa, no mundo criado por Koibu, apresenta uma postura mais Neutra para o conceito de Clérigo do Domínio da Morte: A de que a Morte é necessária para a manutenção da Vida, e que a Destruição é um pilar necessário para a Criação.
Trouxe esse conceito de neutralidade para o meu personagem, criei a cidade-natal dele, assim como alguns conflitos locais, e criei o conceito de duas deusas gêmeas representando a vida e a morte: Kaira, a deusa da vida, possui apenas a metade de cima do rosto, do nariz para cima, com longos cabelos dourados, enquanto a deusa da morte Ashiok, totalmente baseada na Ashiok do Magic, tem apenas a metade de baixo do rosto, com fumaça negra saindo por cima.
Segue abaixo a história do personagem, que acabou ficando bem grande, e meio que me senti como o George R. R. Martin fudendo com a vida de seus personagens, então espero que gostem! ^^
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A História de Yarok, Campeão de Ashiok
Yarok foi um
jovem que dedicou boa parte de sua maturidade servindo a deusa da vida Kaira,
uma das deusas gêmeas no deserto de Tamamaam.
Nascido numa
cidade menor chamada Bashuk, próxima à Zijab, desfrutou de relativa paz e
prosperidade com sua família de origem, vivendo numa região emergente que se
desenvolvia às sombras da capital. Porém, essa prosperidade seria cortada com o
início de uma guerra civil onde os inimigos visavam a capital Zijab, que não é
reconhecida por todos os povos do deserto. Apesar da capital nunca ter sido
atacada neste conflito, quase todas as cidades menores nas regiões vizinhas
foram atacadas, saqueadas, ou tomadas, Bashuk sendo uma delas. Quando a região
foi finalmente retomada pelas forças legítimas de Zijab, o cenário nessas
pequenas cidades havia se invertido, sobrando apenas pobreza e destruição.
Seus pais
morreram na guerra, casualidades civis, quando ainda tinha 6 anos, e desde
então ele e suas irmãs viveram com os tios, que também haviam perdido seus
filhos na mesma guerra. A vida com seus tios não foi particularmente ruim,
porém teve que amadurecer rápido e tomar conta de suas irmãs, uma vez que seus
tios não podiam dar muita atenção para eles, e nem possuíam muito dinheiro.
Aos 16 anos
uma doença abateu-se na região, espalhando-se rapidamente pelas rotas
comerciais e tomando a vida de suas irmãs e de seus tios, deixando-o sozinho. Não
foram mortes fáceis de assistir, tendo presenciado sofrimento e agonia
revirarem os olhos inocentes de suas irmãs.
Perdido e
abalado, procurou abrigo numa abadia isolada nos arredores da cidade dedicada à
deusa Kaira, onde estavam adotando os órfãos deixados pela praga, mas apenas
aqueles que já haviam se mostrado imunes à doença, que tiveram contato com
pessoas doentes sem serem afetados e que não iriam trazê-la para dentro da abadia,
que ficava protegida pela sua distância da cidade.
Como ele já
não era uma criança pequena, foi tomado como ajudante, cuidando dos órfãos mais
novos enquanto era doutrinado sobre a deusa Kaira e como ela protegia toda a
vida como se fossem seus filhos e filhas.
Para ele,
foi como ter encontrado uma motivação após toda a morte que sempre o cercara
durante toda a vida; talvez tivesse passado por tudo isso para aprender sobre a
importância da vida, e seu dever em protegê-la. Decidiu que por onde passasse,
levaria as palavras da deusa Kaira, e faria tudo ao seu alcance para que outros
não conhecessem a dor da perda e da morte como ele conheceu.
Dos 18 aos
22 anos, Yarok viveu como um clérigo guerreiro que servia à deusa da vida, e
junto com outros clérigos e guerreiros ele se tornou parte de um grupo de
devotos que viajava para outras cidades mais distantes, protegendo e curando vítimas
de conflitos locais e doenças. Esse grupo veio a se tornar praticamente sua
segunda família, onde também conheceu seu primeiro amor, uma clériga chamada
Allana, e seu melhor amigo, outro guerreiro chamado Marko. Juntos, e como parte
desse grupo, realizaram grandes feitos de trabalho humanitário, intervindo
quando ninguém mais se importava em intervir, ajudando os realmente
necessitados, e impedindo muitas mortes. Porém, ainda assim, também
presenciaram muitas mortes que não puderam evitar.
Quando
retornavam de suas missões, voltavam para aquela abadia local nos arredores de Bashuk,
que ainda recebia muitos jovens órfãos. Essas crianças viam Yarok e seu grupo
como seus heróis e irmãos mais velhos, e o clima no local era de uma felicidade
simples e de grande hospitalidade e familiaridade.
Porém, tudo
isso mudou novamente, e Yarok conheceria a morte de perto mais uma vez. Em
certa ocasião, quando seu grupo saiu para intervir em um conflito que devastava
uma região mais distante e próxima das montanhas, líderes locais responsáveis
por esse conflito não gostaram da chegada do grupo, e prepararam uma armadilha.
Yarok e seus amigos foram emboscados dentro de um refúgio civil onde estavam
cuidando dos feridos, com os atacantes cercando o local com o objetivo de
massacrar a todos. Eles lutaram bravamente para impedir a entrada dos atacantes,
mas no final, sem conseguirem entrar, os atacantes atearam fogo no refúgio com
o grupo de Yarok e todos os sobreviventes e órfãos dentro.
O que se
seguiu foi o caos, com as pessoas correndo para fora, fugindo das chamas,
apenas para serem mortas por flechas e espadas. No meio do caos, Yarok e seus
companheiros tentaram liderar algumas pessoas através da confusão, sem sucesso.
Todos foram mortos, e Yarok acordou apenas no dia seguinte, esquecido e
abandonado em meio aos corpos de seus amigos e de inocentes. Com muito esforço
e angústia, encontrou e enterrou os corpos de Allana e Marko. Marko havia
morrido lutando ao seu lado, porém Allana identificou somente por causa de seus
colares e pulseiras, carbonizada debaixo dos restos do refúgio.
Sabe-se lá
como, Yarok conseguiu chegar num povoado próximo, onde comprou provisões e um
cavalo com o dinheiro que havia conseguido dos mortos, e fez a longa jornada de
volta para a abadia sozinho, carregando o peso esmagador do luto em suas
costas.
Quando
finalmente alcançou a cidade de Bashuk, os moradores locais reconheceram-o
chegando, e se aproximaram com pressa. Para seu horror, contaram-lhe sobre um
grupo de estranhos que chegou à cavalo na cidade na noite anterior, matando
alguns guardas que foram pegos de surpresa, sendo expulsos por outros guardas logo
depois, e então recuado para fora da cidade, na direção da abadia, que ficava
isolada e desprotegida. Daquela direção, subia uma coluna de fumaça negra.
Yarok
cavalgou às pressas, apenas para encontrar a abadia incendiada e em ruínas, com
todas as crianças, clérigos e ajudantes mortos dentro. Pelo visto, os mesmos
líderes locais que não haviam ido com a cara daquele grupo de clérigos e
guerreiros trazendo ajuda humanitária à uma região distante não se contentaram
em apenas eliminá-los junto com os refugiados, e enviaram um destacamento menor
muito longe apenas para destruir a abadia deles e apagar de vez com todos os
seus traços de existência e tudo que haviam construído ao longo dos anos.
Talvez fosse apenas uma mensagem para que nenhum tipo de força ou ordem vindo
da capital Zijab ou de seus arredores se intrometessem em seus assuntos, e que
nenhuma ajuda era bem vinda.
Qualquer que
fosse a motivação, não importava mais para Yarok. Ele apenas gritava, ajoelhado
no chão, sobrecarregado com toda aquela morte e sofrimento desnecessário.
Corpos carbonizados de inocentes, de fiéis, de pessoas que queriam apenas ajudar
ao próximo, que somente desejavam tornar o mundo melhor. Sua namorada, seu
melhor amigo, sua nova família... Todos mortos. Pela segunda vez, ele havia
perdido toda a sua vida e todo mundo ao seu redor. Pela segunda vez, perdeu
todo seu senso de normalidade e perspectiva para o futuro.
Gritou e
clamou pela sua deusa. Onde estava Kaira? Que vida ela protegia, se não
protegia a vida de seus servos, de suas crianças? Como ela podia deixar a vida
de todos esses inocentes ser tomada assim, apenas por um capricho de pessoas
egoístas? Como ele poderia proteger algo tão frágil e sem valor como uma vida,
se nem uma deusa era capaz de proteger?
Suas
palavras cortaram o coração da deusa Kaira como veneno, e em seu coração ele
sentiu a profunda mágoa da deusa e sua raiva para com ele. Ou seria a sua
própria raiva e mágoa? Poderia ele sentir o exato momento em que sua deusa o
abandonou, sendo acometido de um vazio maior do que nunca em seu coração, ou
seria apenas sua própria dor e solidão? Yarok considerou tirar sua própria vida
ali mesmo. Suicídio, o maior pecado para um clérigo da vida.
Mas ele foi
interrompido por um frio em sua espinha. Um calafrio correu por suas costas e
chegou até a parte de trás de seu pescoço, acariciando sua nuca. Como um toque
vindo de uma mão gelada, de unhas afiadas, mas ainda assim tão gentis... E então
escutou uma doce voz sussurrando em seu coração arrasado.
Era Ashiok, a
deusa da morte, irmã gêmea de Kaira, a quem ela adora provocar. Com suas
palavras de conforto e sabedoria ditas de forma gentil no momento mais frágil e
oporturno, ela não poderia perder a oportunidade de converter o último servo
daquela abadia para si mesma. Sabia que para sua irmã, este seria um crime
muito pior que o suicídio.
“Yarok,
minha doce criança... Você sofre pela vida daqueles que você perdeu, mas eles
estão em paz, comigo. Você sofre por estar vivo, mas não eles, não mais. O
sofrimento que eles sentiram, e que você sente agora, vem apenas por se
agarrarem tão forte à vida. Mas a morte é bela, é justa e piedosa... Não há
sofrimento após a morte, e não precisaria haver antes dela também... Basta
apenas aceitá-la. Me aceitar. Se as pessoas parassem de lutar contra a morte,
não haveria tanto sofrimento, pois eu garanto uma passagem segura e indolor
para o outro lado.”
Yarok
lembrou-se do pouco que sabia sobe os clérigos da deusa Ashiok; pessoas
encapuzadas que viajam pelo deserto carregando seu símbolo, oferecendo a única
bênção que ela pode oferecer: A morte. À primeira vista pode parecer algo
mórbido e horrendo, mas ocasialmente, por onde passam, pessoas os procuram para
ajudar um parente enfermo, sofrendo com doenças ou feridas incuráveis. Sua
bênção encerra a vida da pessoa de maneira rápida e indolor. Até mesmo alguns
idosos, em sua idade avançada, buscam a deusa Ashiok para que possam ter uma
morte tranquila e pacífica.
“Não
aceite mais as mentiras da vida, contadas por Kaira... Não há como você proteger
algo que está fadado à acabar, é um trabalho infrutífero e infeliz. Aceite a
minha verdade, meu querido Yarok: A única verdade sobre a vida, é que ela
acaba. A única garantia para os mortais, é a morte. E eu venho aqui como a
deusa dessa verdade, e lhe ofereço a chance de servir à única força com a qual
você poderá contar até seus últimos dias!”
Para Yarok,
era impossível não dar ouvidos à essas palavras. Parecia tão lógico, tão
sensato. Um mortal como ele jamais poderia lutar contra a morte, jamais poderia
proteger algo que não pode ser protegido.
Talvez,
pensou, a morte fosse a melhor maneira de ajudar as pessoas. Lembrou-se do
quanto viu suas irmãs sofrerem com uma doença quando era mais novo, e no quanto
todos aqueles que foram queimados na abadia e no refúgio deveriam ter sofrido.
Gostaria de ter-lhes oferecido a bênção de Ashiok; uma fria e doce carícia
seguida apenas pelo descanso eterno.
Guiado pelas
palavras da deusa da morte, vivendo seu luto e buscando iluminação, Yarok
partiu da cidade sem falar com mais ninguém, vagando pelo deserto e chegando
até às montanhas, onde subiu e isolou-se no topo de um platô. Viveu em reclusão
por 4 anos, sustentado principalmente pela sua nova fé, pois Ashiok ainda tinha
um trabalho para ele. Ela sabia que ele ainda traria muitas vidas para seus
braços antes que sua própria acabasse.
Yarok continuou
treinando e vivendo nas montanhas, até que no fim de seu período de reclusão, sua
deusa finalmente revelou o trabalho que tinha para ele: Em breve haveria um
Grande Torneio, envolvendo todo o continente, e ele seria seu Campeão. Ele
deveria participar desse torneio, e ganhar em seu nome, e então mais coisas
seriam reveladas no momento certo.
Quando
questionou porquê ela precisava que ele participasse num torneio, a única
resposta que teve foi: “Forças ocultas alteram o equilíbrio entre a vida e a
morte, e através desse torneio, você poderá participar diretamente no
esclarecimento e na resolução de tais forças, prestando assim um grande serviço
para mim, um que ninguém mais seria capaz de cumprir.”
E assim, no
seu aniversário de 26 anos, Yarok encontrou sua resolução e desceu das
montanhas como Campeão de Ashiok. Tomou rumo para Teópia, o grande império onde
ocorreria tal torneio, e em seu caminho, encontraria situações onde poderia
acabar com a vida dos injustos, e trazer um fim para o sofrimento dos
inocentes.
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