"And now for something completely different..."

quinta-feira, 4 de março de 2021

Jorj, o Kobold que Queria ser Hardcore, Mas Sua Mãe Não o Deixa

Alô pessoas!

Fazia muito tempo que eu queria jogar D&D, o RPG Superior. Eu nunca tive chance de jogar direito, devo ter jogado apenas uma sessão que nunca continuou depois, e feito fichas algumas vezes, para acabar não jogando. Engraçado como a Wizards of the Coast produz tanto o RPG Superior, quanto o Card Game Superior.

De qualquer forma, mesmo sem nunca ter jogado direito, de uns tempos pra cá comecei a assistir bastante streams de campanhas. Principalmente campanhas gringas narradas pelo Koibu e pelo Arcadum (conhecedores conhecerão). Assistir essas campanhas mudou o jeito que crio meus personagens. Se antes eu fazia personagens que refletiam como eu gostaria de ser naquele mundo, agora foco em criar personagens que sejam únicos, engraçados, e que tragam interação divertidas para o grupo.

E numa dessas campanhas que assisti, Broken Bonds, temos Disguised Toast jogando como P'mis (simp ao contrário), um kobold covarde e medroso que sobrevive se oferecendo de lacaio para mulheres fortes que o tratam mal.

Me apaixonei pelo personagem e pela ideia de jogar com algo que não está tentando ser forte, ou corajoso, e nem inteligente, mas sim completamente patético e cheio de desvantagens. Digo, olhem esta fodendo habilidade racial de kobold:

Como uma ação no seu turno, você pode se encolher pateticamente para distrair inimigos dentro de 3 metros ao seu redor e que possam te ver. Até o fim do seu próximo turno, seus aliados tem vantagem em rolagens de ataque contra esses inimigos. 

É hilária! Aliás, alguns dos meus decks de Magic seguem essa mesma ideia. Parece que jogar em desvantagem com algo engraçado e abaixo do padrão desejado é um conceito que me diverte.

Enfim, long story short: Finalmente consegui uma campanha! E o Mestre aceitou que eu jogasse de kobold, que oficialmente não é uma raça jogável. Decidi postar aqui a história que escrevi para ele, pois acho que é um de meus melhores textos: Num curto espaço tem comédia, drama, ação, e violência. Enquanto escrevia eu sorri, senti os olhos ficando pesados com vontade de chorar, senti pena do Jorj, e senti medo dele também.

Me digam se sentem isso também, ou se foi só comigo e tá uma bosta mesmo. kkk

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A História de Jorj

Jorj nasceu em uma ninhada de 14 kobolds, dentro de cavernas em montanhas áridas e de areia vermelha. Passou os 3 primeiros anos de sua vida com eles dentro dos mesmos túneis onde nasceram, sem nunca saírem ou verem a luz do Sol, como é de costume na infância de tais criaturas que vivem no escuro.

Sem sinal de seus pais, que provavelmente encontraram um fim azarado e repentino antes deles chocarem, os 14 kobolds rotineiramente brigavam, como aconteceria com qualquer grupo grande de irmãos. Kobolds são naturalmente covardes e egoístas, mas ainda assim havia uma exceção à regra, que acabou se tornando o líder da ninhada. Obviamente esse não era o Jorj.

Após 3 anos, conforme seus apetites cresceram e não mais se satisfaziam com os insetos e seres menores das cavernas, começaram a sair aos poucos de seus túneis, como ocorre naturalmente na espécie. Nesse primeiro ano fora da caverna, as saídas eram exclusivamente à noite, para caçar.

É aí que a seleção natural começa a agir, e alguns irmãos começam a encontrar seu fim no mundo da superfície. Kobolds não são muito duráveis, muito ao contrário de seus primos distantes, os dragões. Comparar um kobold à um dragão é como comparar um lobo à um pug. Certamente o pug veio dos lobos, mas dizer que são parentes é quase ridículo.

Jorj sobreviveu graças ao seu talento nato em identificar o membro mais forte do grupo e colar na aba dele, usando-o de escudo e aríete, esforçando-se para agradá-lo e nunca desafiá-lo, e viver comendo suas sobras. Conforme aprendiam os perigos do mundo exterior, os 12 membros restantes da ninhada organizaram-se mais e mais como um grupo conciso de criaturas carniceiras e sobreviventes.

Entre o quarto e quinto ano, foram descobrindo que existia todo um mundo e sociedade fora das montanhas, e que pra sorte deles, outras pessoas de outras raças viajavam por esse mundo através de uma estrada que passava por aquelas areias vermelhas ao pé de sua montanha. À noite, saíam dos túneis e atacavam caravanas desavisadas, brigando pelo espólio de comida, equipamentos e curiosos discos dourados que eram carregados aos montes dentro de pequenas sacolas. Agora, o grupo de 10 kobolds já havia tomado a forma de um grupo de bandidos.

No começo do quinto ano, o grupo de 8 kobolds deparou-se com uma armadilha. Ao atacarem uma caravana dando sopa à noite, acabou que tratava-se de um grupo maior e mais sério de bandidos, disfarçados na intenção de atrair os kobolds, matá-los, e ficar com o tesouro que Jorj e seus irmãos haviam acumulado nas cavernas. Esse grupo consistia de uma horda descartável de goblins e hobgoblins, comandados por um pequeno círculo interno de meia dúzia de orcs, humanos e mestiços, liderados pelo autoritário orc Grom, O Terrível.

Os kobolds foram massacrados pela horda de goblins e hobgoblins, mas Jorj conseguiu se esconder entre os corpos de seus irmãos, escapando do massacre inicial graças em parte à sua capacidade furtiva, e em parte à burrice dos agressores. Porém ele não havia escapado ainda, pois logo em seguida os líderes do bando chegaram para saquearem os corpos, e foi quando Jorj foi encontrado fingindo-se de morto.

Enquanto se divertiam cogitando se carne de kobold era comestível, Jorj caiu de joelhos e implorou pela sua vida aos prantos.

“Jorj pode ser útil!” disse ele. “Mais útil vivo do que morto, sim, sim! Jorj pode levá-los até nosso tesouro e dividir com vocês! D-digo, não dividir, Jorj dar TODO tesouro. E-e se pouparem Jorj, Jorj pode trazer muito... Muito mais tesouro! Jorj bonzinho, sabe roubar, Jorj promete ajudar...”

Grom riu alto, e divertiu-se com aquela ínfima e patética criatura implorando para servir os carrascos de sua própria família, e se oferecendo para guiá-los até sua toca do tesouro. Certamente era mais divertido do que um goblin, e pensou “Por que não? Pode ser meu bichinho de estimação.”

Então Jorj foi acorrentado, sendo arrastado pessoalmente pelo Terrível Grom, como se fosse seu cachorro. Guiou-os obedientemente até a caverna, e entregou todos os tesouros que eles e seus irmãos acumularam em 5 anos de vida. Nem ao menos tentou escapar na escuridão dos túneis, como um bom garoto. Após pegarem todo o tesouro, novamente os bandidos divertiram-se com a ideia de matá-lo mesmo assim, ao que Jorj implorou e chorou por sua vida novamente.

Grom manteve-o como seu bichinho, sempre numa coleira de ferro, puxado à correntes, mesmo debaixo da forte luz do Sol que o incomoda tanto. À noite, a corrente era amarrada num poste perto dos cavalos, onde dormia. Durante o jantar, era amarrado ao pé da mesa e sentava no chão, comendo os restos de carne e ossos que caíam dos pratos dos demais, e ocasionalmente Grom oferecia um osso quase sem carne para ele comer.

Era tratado como sendo ainda mais inferior do que os goblins e hobgoblins que os seguiam, constantemente apanhando de seu dono e de todos que sentissem vontade, e quando Grom o deixava amarrado em algum lugar sozinho, era comum alguns goblins irem até ele para atormentá-lo, chamando-o de “cachorrinho do Grom”.

Após um ano inteiro sobrevivendo nessas condições, o líder bandido estava mais do que acostumado à presença de Jorj, e não era incomum ele amarrá-lo dentro de sua própria cabana. Às vezes ele recebia um facão para trabalhar cortando alguma coisa, e às vezes eles o soltavam para que pudesse fazer algo específico, mas sempre de dia, quando ele tem dificuldade de enxergar e não tinha muito como fugir. Certa noite, porém, ele se encontrou dentro da cabana de Grom, amolando uma das adagas de seu mestre (a arma principal do orc era um machado de duas mãos, mas ele também carregava diversas adagas de suporte). Quando Grom, voltando bêbado e irritado de uma comemoração do lado de fora, decepcionou-se com o trabalho ruim de Jorj na lâmina, e começou a chutá-lo e agredí-lo de diversas formas, enquanto o xingava.

Chamou-o de verme e de patético. Disse que a adaga estava cega e chutou-o de novo, chamando-o de inútil.

De inútil.

INÚTIL?!

“COMO ASSIM INÚTIL?” Gritava a mente de Jorj para si mesmo. “JORJ SERVIU, JORJ OBEDECEU O TEMPO TODO! JORJ FEZ DE TUDO PARA SER ÚTIL! JORJ AJUDOU A ROUBAR, JORJ FEZ SUAS TAREFAS, JORJ NUNCA INCOMODOU. JORJ É ÚTIL!!!”

Jorj explodiu e soltou um grito que deve ter sangrado sua própria garganta, e com a adaga que estava afiando ainda em mãos, cortou o calcanhar de Grom. Grom caiu imediatamente de joelhos, ao que Jorj já havia passado por debaixo de sua perna e levantado atrás dele. Grom tentou virar para agarrá-lo, mas estava bêbado e ferido, e tropeçou na corrente de Jorj que estava entre as suas pernas. Ao cair no chão, Jorj apunhalou-o no abdômen, debaixo da armadura que cobria apenas o peito.

“JORJ É ÚTIL!” Gritou, e apunhalou-o novamente.

“JORJ SEMPRE AJUDOU!” E apunhalou-o novamente.

“JORJ SÓ OBEDECEU E FEZ TUDO QUE GROM PEDIU!” E apunhalou-o novamente.

“JORJ FOI BONZINHO, JORJ NUNCA ATRAPALHOU!” E apunhalou-o novamente.

“GROM É INGRATO! INGRATO AO BOM JORJ! NÃO APRECIA O JORJ!” E apunhalou-o novamente.

“JORJ AFIOU A ADAGA DIREITINHO PARA GROM, VEJA, VEJA!” E apunhalou-o novamente.

E denovo, e denovo, até que a barriga do orc era apenas uma papa de sangue, e Grom, O Terrível, morreu assistindo um pequeno e desnutrido kobold em cima dele, furando-o sem parar.

Do lado de fora, o som de festa e comemoração abafou a maior parte do ocorrido. Talvez pudessem ter escutado o explosivo grito inicial de Jorj, mas estavam acostumados à ouvir o kobold gritando quando apanhava. “Grom saiu mais irritado que de costume hoje.” alguém deve pensado. “Não queria estar na pele daquele kobold.”

Jorj, ofegante e exausto, finalmente voltou à si. Olhou para a direção da entrada da cabana, para a adaga ensanguentada em suas mãos, e de volta para o corpo empapado em sangue abaixo de si. Desesperado com a ideia do que aconteceria se alguém entrasse agora e visse aquela situação, pensou em fugir. Repentinamente se levantou, ao que a coleira puxou-o forte pelo pescoço, pois estava presa embaixo do corpo do orc, que havia caído em cima dela. Por sorte, havia coleira o suficiente para que ele tivesse conseguido sentar e realizar todas aquelas apunhaladas, caso contrário as coisas poderiam ter acontecido de forma bem diferente. E por mais sorte ainda, Jorj encontrou a chave da coleira nos bolsos de seu falecido mestre.

Jorj soltou-se, guardou consigo a adaga, e porque não, pegou mais uma. Cobriu-se com um pedaço do cobertor de peles que cortou da cama do orc, e fugiu pelo fundo da cabana noite adentro.

E ele finalmente estava livre. O último de sua ninhada. O único sobrevivente.

“Talvez Jorj realmente não seja inútil.” Pensou consigo mesmo.

Mas agora, com 6 anos de idade, Jorj é um kobold adulto e sozinho pela primeira vez. Sendo de uma raça sociável que só consegue sobreviver graças à força dos números, Jorj sabe que não irá durar muito sozinho sem alguém maior protegendo ele, como sempre foi.

Ele precisará buscar um novo bando, com alguém forte e que aceite-o como capacho, para que possa continuar vivendo de suas sobras.

Mas para o bem dessa pessoa, é bom que trate Jorj como o bom garoto que ele é.

Que reconheça que Jorj é útil.


"Jorj só quer agradar..."

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Espero que tenham gostado e deixem seus comentários para o pequeno Jorj! :)

Um comentário:

Marina Garcia disse...

Ahhh, que vontade de proteger o Jorj 🥺🥺