Sem sinal de seus pais, que provavelmente encontraram um fim azarado e repentino antes deles chocarem, os 14 kobolds rotineiramente brigavam, como aconteceria com qualquer grupo grande de irmãos. Kobolds são naturalmente covardes e egoístas, mas ainda assim havia uma
exceção à regra, que acabou se tornando o líder da ninhada. Obviamente esse não era
o Jorj.
Após 3 anos, conforme seus apetites cresceram e não mais se satisfaziam com os insetos e seres menores das cavernas, começaram a sair aos poucos de seus túneis, como ocorre naturalmente na espécie. Nesse primeiro ano fora da caverna, as saídas eram exclusivamente à noite, para caçar.
É aí que a seleção natural começa a agir, e alguns irmãos começam a encontrar
seu fim no mundo da superfície. Kobolds não são muito duráveis, muito ao
contrário de seus primos distantes, os dragões. Comparar um kobold à um dragão
é como comparar um lobo à um pug. Certamente o pug veio dos lobos, mas dizer
que são parentes é quase ridículo.
Jorj sobreviveu graças ao seu talento nato em identificar o membro mais forte do grupo e colar na aba dele, usando-o de escudo e aríete, esforçando-se para agradá-lo e nunca desafiá-lo, e viver comendo suas sobras. Conforme aprendiam os perigos do mundo exterior, os 12 membros restantes da ninhada organizaram-se mais e mais como um grupo conciso de criaturas carniceiras e sobreviventes.
Entre o
quarto e quinto ano, foram descobrindo que existia todo um mundo e sociedade fora
das montanhas, e que pra sorte deles, outras pessoas de outras raças viajavam
por esse mundo através de uma estrada que passava por aquelas areias vermelhas ao pé de sua montanha. À noite, saíam dos
túneis e atacavam caravanas desavisadas, brigando pelo espólio de comida, equipamentos
e curiosos discos dourados que eram carregados aos montes dentro de pequenas sacolas.
Agora, o grupo de 10 kobolds já havia tomado a forma de um grupo de bandidos.
No começo do
quinto ano, o grupo de 8 kobolds deparou-se com uma armadilha. Ao atacarem uma
caravana dando sopa à noite, acabou que tratava-se de um grupo maior e mais
sério de bandidos, disfarçados na intenção de atrair os kobolds, matá-los, e
ficar com o tesouro que Jorj e seus irmãos haviam acumulado nas cavernas. Esse
grupo consistia de uma horda descartável de goblins e hobgoblins, comandados
por um pequeno círculo interno de meia dúzia de orcs, humanos e mestiços,
liderados pelo autoritário orc Grom, O Terrível.
Os kobolds
foram massacrados pela horda de goblins e hobgoblins, mas Jorj conseguiu se
esconder entre os corpos de seus irmãos, escapando do massacre inicial graças em parte à sua capacidade furtiva, e em parte à burrice dos agressores.
Porém ele não havia escapado ainda, pois logo em seguida os líderes
do bando chegaram para saquearem os corpos, e foi quando Jorj foi encontrado
fingindo-se de morto.
Enquanto se
divertiam cogitando se carne de kobold era comestível, Jorj caiu de joelhos e implorou pela sua vida aos prantos.
“Jorj pode
ser útil!” disse ele. “Mais útil vivo do que morto, sim, sim! Jorj pode
levá-los até nosso tesouro e dividir com vocês! D-digo, não dividir, Jorj dar
TODO tesouro. E-e se pouparem Jorj, Jorj pode trazer muito... Muito mais
tesouro! Jorj bonzinho, sabe roubar, Jorj promete ajudar...”
Grom riu alto, e divertiu-se com aquela ínfima e patética criatura implorando para
servir os carrascos de sua própria família, e se oferecendo para guiá-los até
sua toca do tesouro. Certamente era mais divertido do que um goblin, e pensou “Por
que não? Pode ser meu bichinho de estimação.”
Então Jorj foi
acorrentado, sendo arrastado pessoalmente pelo Terrível Grom, como se fosse seu
cachorro. Guiou-os obedientemente até a caverna, e entregou todos os tesouros
que eles e seus irmãos acumularam em 5 anos de vida. Nem ao menos tentou
escapar na escuridão dos túneis, como um bom garoto. Após pegarem todo o
tesouro, novamente os bandidos divertiram-se com a ideia de matá-lo mesmo
assim, ao que Jorj implorou e chorou por sua vida novamente.
Grom
manteve-o como seu bichinho, sempre numa coleira de ferro, puxado à correntes,
mesmo debaixo da forte luz do Sol que o incomoda tanto. À noite, a
corrente era amarrada num poste perto dos cavalos, onde dormia. Durante o jantar,
era amarrado ao pé da mesa e sentava no chão, comendo os restos de carne e
ossos que caíam dos pratos dos demais, e ocasionalmente Grom oferecia um osso quase
sem carne para ele comer.
Era tratado como sendo ainda mais inferior do que os goblins e hobgoblins que os seguiam, constantemente
apanhando de seu dono e de todos que sentissem vontade, e quando Grom o deixava
amarrado em algum lugar sozinho, era comum alguns goblins irem até ele para
atormentá-lo, chamando-o de “cachorrinho do Grom”.
Após um ano
inteiro sobrevivendo nessas condições, o líder bandido estava mais do que
acostumado à presença de Jorj, e não era incomum ele amarrá-lo dentro de sua própria
cabana. Às vezes ele recebia um facão para trabalhar cortando alguma coisa, e
às vezes eles o soltavam para que pudesse fazer algo específico, mas sempre de
dia, quando ele tem dificuldade de enxergar e não tinha muito como fugir. Certa
noite, porém, ele se encontrou dentro da cabana de Grom, amolando uma das adagas
de seu mestre (a arma principal do orc era um machado de duas mãos, mas ele
também carregava diversas adagas de suporte). Quando Grom, voltando bêbado e
irritado de uma comemoração do lado de fora, decepcionou-se com o trabalho ruim
de Jorj na lâmina, e começou a chutá-lo e agredí-lo de diversas formas, enquanto
o xingava.
Chamou-o de
verme e de patético. Disse que a adaga estava cega e chutou-o de novo, chamando-o de inútil.
De inútil.
INÚTIL?!
“COMO ASSIM INÚTIL?”
Gritava a mente de Jorj para si mesmo. “JORJ SERVIU, JORJ OBEDECEU O TEMPO
TODO! JORJ FEZ DE TUDO PARA SER ÚTIL! JORJ AJUDOU A ROUBAR, JORJ FEZ SUAS TAREFAS,
JORJ NUNCA INCOMODOU. JORJ É ÚTIL!!!”
Jorj explodiu
e soltou um grito que deve ter sangrado sua própria garganta, e com a adaga que
estava afiando ainda em mãos, cortou o calcanhar de Grom. Grom caiu
imediatamente de joelhos, ao que Jorj já havia passado por debaixo de sua perna
e levantado atrás dele. Grom tentou virar para agarrá-lo, mas estava bêbado e
ferido, e tropeçou na corrente de Jorj que estava entre as suas pernas. Ao cair
no chão, Jorj apunhalou-o no abdômen, debaixo da armadura que cobria apenas o
peito.
“JORJ É ÚTIL!”
Gritou, e apunhalou-o novamente.
“JORJ SEMPRE
AJUDOU!” E apunhalou-o novamente.
“JORJ SÓ
OBEDECEU E FEZ TUDO QUE GROM PEDIU!” E apunhalou-o novamente.
“JORJ FOI
BONZINHO, JORJ NUNCA ATRAPALHOU!” E apunhalou-o novamente.
“GROM É
INGRATO! INGRATO AO BOM JORJ! NÃO APRECIA O JORJ!” E apunhalou-o novamente.
“JORJ AFIOU
A ADAGA DIREITINHO PARA GROM, VEJA, VEJA!” E apunhalou-o novamente.
E denovo, e
denovo, até que a barriga do orc era apenas uma papa de sangue, e Grom, O Terrível,
morreu assistindo um pequeno e desnutrido kobold em cima dele,
furando-o sem parar.
Do lado de
fora, o som de festa e comemoração abafou a maior parte do ocorrido. Talvez pudessem
ter escutado o explosivo grito inicial de Jorj, mas estavam acostumados à ouvir
o kobold gritando quando apanhava. “Grom saiu mais irritado que de costume hoje.”
alguém deve pensado. “Não queria estar na pele daquele kobold.”
Jorj, ofegante
e exausto, finalmente voltou à si. Olhou para a direção da entrada da cabana, para
a adaga ensanguentada em suas mãos, e de volta para o corpo empapado em sangue abaixo
de si. Desesperado com a ideia do que aconteceria se alguém entrasse agora e visse
aquela situação, pensou em fugir. Repentinamente se levantou, ao que a coleira
puxou-o forte pelo pescoço, pois estava presa embaixo do corpo do orc, que havia caído em cima dela. Por sorte, havia coleira o suficiente para que ele tivesse
conseguido sentar e realizar todas aquelas apunhaladas, caso contrário as
coisas poderiam ter acontecido de forma bem diferente. E por mais sorte ainda,
Jorj encontrou a chave da coleira nos bolsos de seu falecido mestre.
Jorj
soltou-se, guardou consigo a adaga, e porque não, pegou mais uma. Cobriu-se com
um pedaço do cobertor de peles que cortou da cama do orc, e fugiu pelo fundo da
cabana noite adentro.
E ele finalmente
estava livre. O último de sua ninhada. O único sobrevivente.
“Talvez Jorj
realmente não seja inútil.” Pensou consigo mesmo.
Mas agora, com 6 anos de idade, Jorj é um kobold adulto e sozinho pela primeira vez. Sendo de uma raça sociável que só consegue
sobreviver graças à força dos números, Jorj sabe que não irá durar muito
sozinho sem alguém maior protegendo ele, como sempre foi.
Ele
precisará buscar um novo bando, com alguém forte e que aceite-o como capacho,
para que possa continuar vivendo de suas sobras.
Mas para o
bem dessa pessoa, é bom que trate Jorj como o bom garoto que ele é.
Que
reconheça que Jorj é útil.
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Espero que tenham gostado e deixem seus comentários para o pequeno Jorj! :)
Um comentário:
Ahhh, que vontade de proteger o Jorj 🥺🥺
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